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HISTÓRIA

O primeiro registro da Fazenda teria se dado pelo Monsenhor Pizarro em 1794, representante do Bispo do Rio de Janeiro, que realizou uma visita à São Gonçalo e relatou a existência de um oratório no lugar de nome “Engenho Novo”, distante 15 quilômetros da Igreja Matriz de São Gonçalo. O oratório seria das irmãs Bustamante: Luiza Vitoria e Ana. Essas seriam integrantes da família Carr Ribeiro Bustamante, proprietária de terras e escravos, e de quem Belarmino Ricardo de Siqueira, futuro Barão de São Gonçalo, comprou as terras da Fazenda em 1818. Nesse período São Gonçalo já se constituía como uma sociedade mercantil, escravista, e católica, possuindo engenhos e fazendas, capelas, oratórios particulares e o templo da Igreja Matriz. Era uma freguesia que estava subordinada ao município de Niterói, mas que teve suas origens no ano de 1579, quando o português Gonçalo Gonçalves recebeu terras na região do então porto de Birapitanga, região que atualmente compreenderia a praia da Luz e o centro da cidade, e passou a ocupá-las, erguendo ali uma capela em honra ao seu santo de proteção pessoal, São Gonçalo de Amarante.
Nesse período a região era ocupada pelos povos originários conhecidos como tupinambás ou tamoios, que desenvolviam o cultivo de mandioca, feijão, milho e abóbora como atividades voltadas para subsistência. Ao longo do período colonial essa população foi sendo excluída e sendo reprimida pelo sistema escravista que se constituiu em todo o território. No século XIX, com a chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, São Gonçalo viu um aumento na atividade comercial e no desenvolvimento urbano, sendo cenário da multiplicação dos engenhos de açúcar e aguardente coexistindo com a plantação de diversos gêneros agrícolas como frutas, legumes, hortaliças, arroz, feijão, mandioca etc., que abasteciam o mercado interno e a cidade do Rio de Janeiro à base da mão-de-obra escravizada de origem africana. 


No final do XIX e início do século XX, São Gonçalo tornou-se município (1890), e experimentou um crescimento significativo da população, com a chegada de imigrantes europeus e migrantes de outras regiões do Brasil em busca de oportunidades de trabalho nas indústrias emergentes e na agricultura. Durante o século XX São Gonçalo continuou a se desenvolver como um importante centro urbano e industrial na região metropolitana do Rio de Janeiro. A industrialização, principalmente nas áreas têxtil e metalúrgica, contribuiu para o crescimento econômico da cidade. No entanto, São Gonçalo também enfrentou desafios sociais, como a urbanização desordenada e problemas de infraestrutura. Entre idas e vindas, São Gonçalo é considerada município desde 1929. E onde a Fazenda Engenho Novo está inserida na história de São Gonçalo?


A Fazenda Engenho Novo está localizada no bairro de Monjolos, e o seu acesso é possível a partir da Rodovia Amaral Peixoto (RJ-104), seguindo pela Estrada José de Souza Porto, no Largo da Ideia, e depois pela Estrada Rio Frio. Ao longo do tempo essa fazenda também foi nomeada como Fazenda Engenho Novo do Retiro e Fazenda do Serrado. Ela ficou conhecida por ter pertencido ao militar e político Belarmino Ricardo de Siqueira, conhecido como Barão de São Gonçalo, e ao coronel da Guarda Nacional Joaquim Serrado Pereira da Silva, conhecido como Coronel Serrado. 

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Durante boa parte do século XIX, no período imperial, a fazenda pertenceu a Belarmino, e assim como outras fazendas da freguesia de São Gonçalo, tinha o açúcar e a aguardente, como principais produtos. Apesar do auge da fazenda ter sido no século XIX, ao longo do século XX, quando era de propriedade da família Serrado, a fazenda também teve importância. Exportou produtos como a laranja para países como Argentina, Uruguai e Inglaterra, e também foi cenário da 2ª corrida automobilística do Brasil em 1909 e das gravações da minissérie “Memorial de Maria Moura”, produzida pela Rede Globo e o filme “Álbum de Família” de Nelson Rodrigues.


Com o crescimento e a urbanização que aconteceu na cidade de São Gonçalo, muitas fazendas foram fracionadas e transformadas em loteamento, e a Fazenda Engenho Novo foi vendida pela família Serrado, em meados dos anos 1980, para Deusdérito Belmont. Esse novo dono explorou a extração de aréola até 1993, quando as terras da fazenda foram desapropriadas pelo Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (ITERJ) e deram origem ao Assentamento Rural Fazenda Engenho Novo. Em 1998 o espaço da Fazenda foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural (INEPAC). 
A história da Fazenda Engenho Novo é mais conhecida a partir das histórias de seus proprietários do que a partir das histórias das pessoas que foram escravizadas e que também trabalharam duro para que a Fazenda funcionasse. O Barão foi dono da fazenda até 1873, quando faleceu e deixou um inventário que informava que havia 112 pessoas escravizadas na Fazenda Engenho Novo, sendo 69 homens e 43 mulheres. Após a morte do Barão, que não possuía herdeiros diretos, a fazenda chegou às mãos de Joaquim Serrado Pereira da Silva, um político, fazendeiro e comerciante da cidade de São Gonçalo que se casou com dona Cecília, sobrinha do Barão. A fazenda pertenceu à família Serrado até a década de 1980.

 

As principais fontes principais são os registros paroquiais das freguesias de São Gonçalo e Nossa Senhora da Conceição de Cordeiros entre os séculos XVIII e XIX, o inventário e testamento do Barão de São Gonçalo, de 1872, periódicos do século XIX e XX, e relatos orais a partir da metodologia da História Oral. O cruzamento dessas fontes pode revelar muitas histórias como já tem sido feito. Os livros de batismos revelam as cerimonias realizadas na capela que existia na Fazenda Engenho Novo. No inventário e testamento do Barão podemos conhecer a história de Emiliana, africana registrada sob o número de matrícula 1813, que tinha 52 anos em 1872, e construiu uma extensa família. Emiliana alcançou a alforria pela quantidade de filhos gerados, seis, segundo a vontade do Barão. Eram eles: Anastácio, Lucas, Felix, Egídio, José e Jesuína.


Cruzando informações do inventário e de livro de batismos também é possível estabelecer a formação de outros núcleos familiares matrifocais, como o da escravizada Innocencia parda, com 38 anos em 1872, que realizava o serviço doméstico e possuía dois filhos: Reinaldo e Honorata. Também havia as famílias de Claudina de nação, de 53 anos e com dois filhos: Estevão e Ezequiel; de Jacintha, criola, de 36 anos e com os filhos Manoel e Geraldino; de Margarida, de 38 anos e com os filhos Regina e Justo; de Isabel parda, de 40 anos e com os filhos Guilhermina e Edvirges; de Amelia criola, de 30 anos e com três filhos: Dorotheia, Ana e Lêoncio; de Flavia criola, de 33 anos e com dois filhos: Libânio e Severina; e de Eufrasia com os filhos Laurentino e Alfredo.


No pós-abolição podemos destacar as histórias de duas personagens da comunidade: Marcolina Alexandrina da Silva (in memoriam), que foi professora e era bisneta de uma escravizada de nome Marcolina Maria da Conceição, e Alfredo Pinheiro da Silva, neto de Silvestre Pinheiro, um liberto que se estabeleceu como arrendatário no sítio da fazenda, na condição de “lavrador”. Estas duas pessoas, bem como seus familiares possuem um sentimento de pertencimento para com a Fazenda Engenho Novo. Ambos nascidos em São Gonçalo, as histórias de vida deles foram contadas em entrevistas ao grupo de trabalho do Movimento Ocupa, e fazem parte da metodologia da História Oral, que se propõe a apresentar as histórias, vivências e as condições de vida de personagens negras invisibilizadas, mas que fazem parte da história de São Gonçalo, e consequentemente, do Brasil.

 


Bibliografia:
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